Conta-se que certa vez uma equipe de pesquisadores decidiu fazer um experimento para analisar o comportamento de um bando de macacos. Em determinado ponto onde estavam concentrados havia uma escada e, lá no alto, um apetitoso cacho de bananas.
Toda vez que algum macaco subia a escada e colhia uma banana, os pesquisadores jogavam água nos outros macacos do bando. Isso os deixava muito irritados. Inteligentes, logo perceberam que a água vinha sempre que algum integrante subia a escada para colher uma banana. Assim, sempre que um desavisado comilão subia na escada para colher uma banana, na descida levava uma tremenda surra dos companheiros encharcados.
Isso se repetiu muitas vezes até que toda a macacada estava consciente de que, caso subisse a escada para colher uma banana, a surra seria certa.
Com o tempo a surra no comilão já era uma tradição no bando, mesmo já não havendo mais jatos de água. Assim a vida em grupo estava tranquila e em ordem.
Nenhum macaco ousava subir a dita escada, até que, em um determinado dia, os pesquisadores colocaram um novato no grupo que, sem saber de nada, logo subiu a escada para colher uma deliciosa banana. Assim que desceu, levou uma grande surra sem entender nada.
Um tempo depois, colocaram mais um novato na turma. O macaco, como já era previsível, cometeu o mesmo “erro”, ao que logo a turma tratou de dar o devido corretivo. O macaco que havia levado a última surra foi um dos espancadores mais engajados dessa vez.
E assim os macacos foram sendo substituídos um a um, até que não houvesse mais nenhum membro do bando inicial. A água também já não era mais jogada toda vez que algum espertinho resolvesse colher uma banana, mas a “tradição da surra” continuou viva e presente entre os novos membros.
Talvez se fosse possível perguntar aos macacos do bando sobre essa tradição de espancar o membro que colhesse uma banana, nenhum deles soubesse dar alguma explicação dos motivos. Afinal para os novos, que não fizeram parte daquele experimento com o bando original, por ali “sempre foi assim”.
Se esse experimento foi real, ou uma mera ilustração, não posso afirmar, mas já ouvi essa história algumas vezes e, por horas, ela ilustra muito bem como certos costumes, tradições e saberes que cultivamos em nossa esfera social e profissional se mantém ao longo do tempo.
Geralmente há um “sempre foi assim” para tentar suprimir alguma ideia ou novo conceito, ainda que a única justificativa para estabelecer de forma absoluta o “assim” seja o “sempre” com sua bagagem histórica e tradicional.
A ausência de espaço para dúvida, reflexão ou questionamento por si só já oferece razões aparentemente suficientes e validadas para “surrar o macaco” audacioso.
Mas, há de se admitir que todas as inovações e melhorias ao longo da história surgiram através daqueles que ousaram desafiar a forma tradicional de se fazer e pensar as coisas, ainda que levando algumas surras no começo.
Falando de armazenagem de grãos, temos também bastante enraizados no “assim” e no “sempre” alguns conceitos que, embora não sejam errados, por vezes acabam servindo como “motivos de surra” sempre que alguma ideia nova venha desafiar os padrões convencionais já estabelecidos há pares de décadas.
No entanto, questionar os métodos e buscar novas alternativas e soluções obrigatoriamente exige desafiar e pôr à prova o que “sempre foi assim”.
Por vezes buscar uma melhoria e inovar implica em algumas quebras de paradigmas e uma mudança na forma de analisar determinado problema. Exige analisar por que afinal o macaco que sobe na escada deve apanhar, ao invés de simplesmente continuar na tradição irrefletida da surra, sem saber exatamente a razão disso.
Falando, por exemplo, sobre resfriamento da massa de grãos, temos muito bem estabelecidos os conceitos, a importância e o uso do sistema de aeração convencional para tal objetivo. Temos muito clara a importância dos sistemas de termometria para termos um parâmetro do que está acontecendo no interior do silo. Sabemos da importância do equilíbrio higroscópico dos grãos, da psicrometria e da própria fisiologia dos grãos para conduzirmos o manejo para a conservação dos grãos. Temos ciência dos impactos da presença de impurezas, atividade de água, temperatura, umidade, atividade da microflora e inúmeras variáveis sobre conservação de grãos.
Tudo isso está (ou pelo menos deveria estar) bastante claro para quem está atuando na área da armazenagem de grãos.
Mas tratando especificamente do resfriamento da massa de grãos, seria a aeração convencional (que sempre foi assim) o único meio? Ou há outros meios de conseguirmos resfriar a massa de grãos, até mesmo com mais eficiência e economia?
A resposta está no topo da escada!
Sim, há outros meios ou alternativas para obtermos bons resultados no resfriamento da massa de grãos de forma eficaz e econômica.
Um método alternativo bastante eficaz está baseado nos princípios físicos (e naturais) da convecção de temperatura e possui uma lógica inversa comparada com o sistema de aeração convencional.
Enquanto os sistemas convencionais forçam ar ambiente em temperatura mais baixa que a massa de grãos de baixo para cima, o sistema de resfriamento natural atua de cima para baixo.
O conceito está fundamentado numa lei da física muito simples, que aprendemos lá no ensino fundamental e que não demanda grandes rodeios e explanações agora: ar quente sobe, ar frio desce.
A partir desse princípio físico básico, temos então um desafio para o resfriamento natural da massa de grãos: viabilizar esse movimento de “sobe e desce” das massas de ar no interior do silo.
Um dos dificultadores que precisa ser neutralizado é a barreira de ar aquecido formada na parte superior do silo e que impede massas de ar quente de continuarem subindo e abandonarem a massa de grãos.
Esse problema pode ser facilmente resolvido por meio da remoção ou resfriamento dessas barreiras, que ficam concentradas na camada superior da massa de grãos e no espaço livre entre a cobertura do silo e o produto, formando o já conhecido e famoso “bolsão de calor”, gerado pela irradiação de calor devido ao aquecimento das chapas do telhado dos silos provocado pela exposição à radiação solar.
Já falamos sobre a importância da remoção do bolsão de calor para evitar problemas de condensação e gotejamento AQUI. No entanto nesse momento quero falar dos benefícios obtidos para o resfriamento da massa de grãos através da remoção da massa de ar quente na parte superior dos silos.
Quando analisamos o funcionamento dos sistemas de aeração e comparamos com as medições de temperatura por meio da termometria, percebemos facilmente a ineficiência dos mesmos na região central superior da massa de grãos.
Sempre temos nessa área temperaturas mais elevadas, o que demonstra claramente que não há renovação de ar ali. Isso se dá pelo simples fato de que o ar busca os caminhos de menor resistência mecânica para deixar a massa de grãos, conforme podemos ver na FIGURA 01. Esse problema pode ser amenizado fazendo-se o nivelamento da massa de grãos. Há de se levar em conta, no entanto, os riscos operacionais envolvidos nessa operação.
O fato de termos também temperaturas sempre mais elevadas na parte superior da massa de grãos nos mostra os efeitos da concentração de calor embaixo do telhado dos silos, conforme FIGURA 02.
As temperaturas mais elevadas na parte superior da massa de grãos em parte se dão pelo fato de o bolsão de calor criar uma barreira natural, impedindo o movimento de convecção do ar aquecido para fora do produto (ar mais quente sobe), sendo necessárias muitas horas de aeração para a retirada dessa massa de ar aquecido.
Uma vez que se realiza a remoção desse bolsão de calor formado entre massa de grãos e cobertura dos silos, eliminamos essa barreira, permitindo que o ar aquecido abandone naturalmente a massa de grãos pelo princípio da convecção.
Essa remoção é obtida por meio da renovação do ar através do uso de renovadores que, em conjunto com os respiros dos silos, promovem essa troca e movimentação, conforme podemos ver na FIGURA 03.
Assim, temos ar aquecido sendo removido do interior do silo, eliminando o bolsão de calor, sendo substituído por ar ambiente em temperatura mais baixa.
Dessa forma, à noite, em temperaturas mais amenas, teremos no interior do silo um ar em temperatura possivelmente mais baixa que a massa de grãos, permitindo assim a saída natural no ar aquecido (ar quente que sobe) e um resfriamento natural da camada superior (ar frio que desce) onde a aeração costuma se apresentar pouco eficiente.
Esse sistema em operação contínua promove o resfriamento gradativo e natural da massa de grãos de cima para baixo, representando uma grande economia no consumo de energia elétrica para aeração.
Podemos ver assim que, além da eliminação de problemas de condensação, a renovação de ar e remoção do bolsão de calor na parte superior dos silos apresenta um enorme benefício para o resfriamento da massa de grãos a um baixo custo operacional, uma vez que os equipamentos geralmente são mecânicos, movidos pelas correntes de ar, sem necessidade de motores elétricos.
Resta assim a ousadia de subir a escada e comprovar os resultados.
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